O chefe da diplomacia angolana, Georges Chikoti, reiterou hoje a necessidade de haver reciprocidade nas relações entre Angola e Portugal, com o tratamento igual às entidades políticas angolanas que é dado aos portugueses.
Georges Chikoti, que falava hoje em declarações à imprensa, à margem da cerimónia de acreditação de novos embaixadores em Angola, referiu-se ao recente episódio que trepidou as relações entre Angola e Portugal, com a publicação pela imprensa portuguesa (e não só, acrescente-se) de notícias sobre uma acusação do Ministério Público português contra o vice-Presidente angolano Manuel Vicente, por – entre outras acusações – alegada corrupção activa.
O ministro das Relações Exteriores de Angola considerou Portugal um parceiro importante, mas as relações entre ambos os países “só podem ser boas se houver reciprocidade de tratamento de entidades políticas, de tratarem Angola como deve ser”.
Georges Chikoti referiu que é preciso que haja a mesma reciprocidade de tratamento pela comunicação social, porque a angolana “não ataca nem dirigentes, nem outros países”.
“E mesmo na separação das instituições, as nossas instituições mesmo que tenham eventualmente cidadãos portugueses que cometam erros aqui, têm o tratamento específico, que fica no fórum judicial e não têm tratamento público pela imprensa”, apontou.
Para o chefe da diplomacia angolana, as relações dos dois países serão melhoradas se forem acautelados esses aspectos.
“E também não se pode criar acontecimentos ou eventos, que não são fundados e que são tratados abertamente pela imprensa como tem sido feito”, concluiu.
Numa reacção sobre o assunto, em Fevereiro, o Governo angolano considerou “inamistosa e despropositada” a forma como as autoridades portuguesas divulgaram a acusação ao vice-Presidente de Angola, alertando que essa acusação ameaça as relações bilaterais.
A posição tomada na altura, em comunicado, pelo Ministério das Relações Exteriores refutava veementemente as acusações, “cujo aproveitamento tem sido feito por forças interessadas em perturbar ou mesmo destruir as relações amistosas existentes entre os dois Estados”.
Na sua posição, o Governo angolano manifestou-se “bastante preocupado” ao ter tomado conhecimento “através de órgãos de comunicação social portugueses” da acusação do Ministério Público português “por supostos factos criminais imputados ao senhor engenheiro Manuel Vicente”.
Na sequência deste facto, a visita da ministra da Justiça portuguesa, Francisca Van-Dúnem, a Angola, anunciada, em Luanda, pelo ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Augusto Santos Silva, durante a sua deslocação em Fevereiro, deveria ter sido realizada entre 22 e 24 do mesmo mês, mas ficou adiada “sine die”, a pedido do Governo angolano.
Georges Chikoti esquece-se, no cumprimento de “ordens superiores” que não é possível exigir reciprocidade entre realidades diferentes e, em muitos casos, até antagónicas. É o caso, por exemplo, do sistema judicial em particular e dos próprios países em geral. Portugal é um Estado de Direito democrático. Angola não.
Como se já não bastasse termos governantes, políticos e generais a querer vender gato por lebre, também o presidente do Tribunal Supremo de Angola, Manuel Aragão, apresentou a sua candidatura a “vendedor” das teses oficiais do regime. Vejamos: “Há uma efectiva separação de poderes no país, entre poder político e os tribunais”.
“Os que dizem, cabe a eles provarem. Se calhar não estão em condições de nos dar lição, a julgar pelos exemplos”, apontou Manuel Aragão, em declarações aos jornalistas à margem da cerimónia de abertura do Ano Judicial 2017.
Insistindo na efectiva separação de poderes em Angola, o presidente do Tribunal Supremo angolano recordou: “Somos todos representantes de um poder único, que é o Estado. A soberania é do povo”.
Consta que o Presidente do MPLA, partido no poder desde 1975, José Eduardo dos Santos, bem como o Titular do Poder Executivo há 38 anos (José Eduardo dos Santos) e ainda o Presidente da República (no poder há 38 anos se nunca ter sido nominalmente eleito), José Eduardo dos Santos, aplaudiram e a firmação de Manuel Aragão.
A reacção do Presidente do Tribunal Supremo (escolhido por José Eduardo dos Santos), sem destinatário especificado na declaração, surgiu exactamente depois de a diplomacia angolana ter criticado fortemente as autoridades portugueses pelo tal pecado mortal “inamistoso e despropositado”.
Certamente que este esclarecimento de Manuel Aragão não se destinou aos países mais democráticos do mundo com os quais o regime se identifica na plenitude, como são os casos da Guiné Equatorial e da Coreia do Norte.
Aliás que melhor prova o mundo pode querer da separação de poderes quando, em Angola, o Presidente da República escolhe o Vice-Presidente, todos os juízes do Tribunal Constitucional, todos os juízes do Supremo Tribunal, todos os juízes do Tribunal de Contas, o Procurador-Geral da Republica e o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas?
O Ministério Público português acusou formalmente, entre outros, o vice-Presidente de Angola (e ex-presidente da Sonangol) Manuel Vicente, no âmbito da “Operação Fizz”, relacionada com corrupção e branqueamento de capitais, quando ainda estava na petrolífera estatal que hoje, e no âmbito da total separação de poderes e da Lei da Probidade, é dirigida por Isabel dos Santos, filha do Presidente da República.
Numa nota do Ministério das Relações Exteriores de 24 de Fevereiro, o Governo angolano protestou veementemente contra as acusações, “cujo aproveitamento tem sido feito por forças interessadas em perturbar ou mesmo destruir as relações amistosas existentes entre os dois Estados”.
Para o Governo de Luanda, a forma (pelos vistos o conteúdo é o que menos importa) como foi veiculada a notícia constitui um “sério ataque à República de Angola, susceptível de perturbar as relações existentes entre os dois Estados”.
“Não deixa de ser evidente que, sempre que estas relações estabilizam e alcançam novos patamares, se criem pseudo factos prejudiciais aos verdadeiros interesses dos dois países, atingindo a soberania de Angola ou altas entidades do país por calúnia ou difamação”, sublinha a nota da diplomacia angolana.
Folha 8 com Lusa